domingo, 8 de janeiro de 2023

Broderagem formal

 I Now Pronounce You 
Chuck & Larry

(comédia,
USA, 2007),
de Dennis Dugan.
 

 

por Paulo Ayres

De todos os solteiros poliamorosos que Adam Sandler interpretou — como em 50 First Dates (2004) e Just Go with It (2011) —, Chuck Levine é o mais exagerado. Além de ser enfatizado como um bombeiro que é um sex symbol no Brooklyn (Nova York), I Now Pronounce You Chuck & Larry faz questão de evidenciar que se trata de um cara hétero, muito hétero, inquestionavelmente hétero. O mesmo vale para o seu grande amigo e colega de trabalho, Larry Valentine (Kevin James), um viúvo que é solitário no âmbito afetivo-sexual.

Alguém pode dizer que a graça está justamente na ideia de dois amigos héteros fingindo ser um casal oficial — e é verdade, o repertório para piadas fica fértil —; porém, essa caper comedy se restringe a ser uma observadora complacente com a temática do movimento LGBT na democracia formal. Como se deixasse claro, mais do que o necessário, que representa o S da sigla brasileira GLS.

Uma curiosa ponta solta no enredo é que, por diversas vezes, os assuntos da bissexualidade e do casamento não monogâmico entram em cena, mas de forma fugaz, nunca desenvolvidos ou vistos como uma solução. E, veja só, isso facilitaria certas questões que se apresentam como problemas no esquema fraudulento. Inclusive, abriria o caminho para Chuck flertar com a advogada Alex McDonough (Jessica Biel), no típico plot amoroso (romântico, hétero e branco) que há nessa comédia criminal. Entretanto, isso também reflete algo real que ocorre na nossa forma de sociabilidade: em todo canto há, no mínimo, expressões discretas de desejo ou gente falando sobre putaria, mas, se alguém nomear tais manifestações como a nossa tendência poliamorosa, uma boa parte não gostará. É como se houvesse um pacto monogâmico de silêncio.

I Now Pronounce You Chuck & Larry, portanto, é uma sátira edificante que é “simpatizante” e simpática. Naquilo que propõe cumpre seu objetivo. É um roteiro de Alexander Payne e Jim Taylor que foi “sandlerizado” no tratamento posterior. A fórmula do Sandlerverso não dá o passo necessário para a arte realista, mas não tem receio de se queimar brincando com temas delicados. Até porque sabemos que apagará os incêndios e fará uma massagem familista nos pés do espectador.

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