terça-feira, 14 de maio de 2024

Migração pendular

Men in Black 
 
(comédia,
USA, 1997),
de Barry Sonnenfeld.
 


por Paulo Ayres

A primeira ocorrência no primeiro filme Men in Black possui a chave de interpretação do jogo metafórico desse universo. Nessa passagem, a questão da migração está salientada em primeiro plano: uma van em território norte-americano transportando imigrantes ilegais vindos do México. Há um indivíduo distinto entre aqueles aliens — palavra que indica estrangeiros, mas que, com o tempo, ficou mais identificada com extraterrestres. A agência ultrassecreta MIB se sobrepõe às autoridades e comanda a abordagem da blitz. Ela é um reflexo paródico do serviço de controle de imigração e alfândega, o ICE (antes INS). No entanto, os agentes liberam os latinos. O movimento que se dá, então, é a MIB como a representação desse departamento no subtexto, mas com certo espaço de diferenciação e autonomia no texto direto.

Nesse sentido, ao lidar diretamente com essa camada primária da imigração, essa sátira edificante está, logo de início, recusando explicitamente o caminho imediato e espinhoso da ideologia xenofóbica. Durante todo o seu desenrolar, o enredo pisa entre ovos nessa proposta delicada de metáfora que, ao mesmo tempo, referencia e se distancia. É justamente esse movimento arriscado que, por um lado, dá vitalidade à essa trama redonda e, por outro, determina as limitações no espelhamento do contexto histórico, pois, querendo ou não, também comenta o nosso mundo.

Men in Black é um blockbuster enxuto como poucas vezes se viu. O roteiro, inspirado nos quadrinhos de Lowell Cunningham, parece esculpido com a Navalha de Ockham, deixando só o essencial no encadeamento de frases feitas. Ademais, a encenação comediesca de Barry Sonnenfeld estampa as situações como um folhear de páginas ilustradas — o destaque nesse sentido é a imagem do Agente J (Will Smith) fazendo o parto no carro, no fundo do plano externo, e mais além está o centro de Manhattan (ainda com as Torres Gêmeas). Com efeito, há até o perigo de um apocalipse alienígena tratado como rotina de trabalho. O filme tem a cara do Agente K (Tommy Lee Jones): lacônico e blasé.
 
Contudo, o aspecto cool também é responsável pelas insuficiências. Afinal, essas figuras de gravatas e ternos pretos, elevadas a ícones cinematográficos, não estão no contexto sem maniqueísmo de Pulp Fiction (1994) ou no contexto da vilania digital de The Matrix (1999). Ou seja, o problema nem é que os agentes da MIB matem e torturem às vezes — até porque as agências estatais do mundo liberal-democrático são capazes disso e muito mais —, mas, como era de se esperar numa sátira desse tipo, há a validação romantizada desse serviço. Se isso se dá naquele curioso processo comentado de identidade e não identidade (a agência não é subordinada a nenhum governo), termina por repousar na identidade, pois, de uma forma ou de outra, a MIB afirma o modo de vida estadunidense, ao receber e monitorar os aliens de acordo com os costumes e as leis do local.

A persona non grata que causa distúrbios em Nova York é denominada como um bug. Porém, diferente dos incontáveis bugs de Starship Troopers (1997), é um ser social. A roupagem (literalmente, roupagem) de Edgar (Vincent D'Onofrio) simboliza o próprio estatuto de Men in Black, onde os disfarces das criaturas variadas indicam a adaptação obrigatória ao ambiente cotidiano, e o invasor é aquele que mal consegue disfarçar a monstruosidade. Sonnenfeld, perito “anônimo”, fez antes dois aprazíveis The Addams Family (1991-1993) demonstrando um quê burtoniano na simpatia pelo grotesco e pelo outsider, todavia, nesta boa comédia de ficção científica, tal tendência comparece de forma subdesenvolvida, retraída. Não é sem razão que a personagem mais cativante seja a médica-legista Laurel Weaver (Linda Fiorentino), que, com morbidez e esperteza, investiga além das aparências dos corpos (mortos), isto é, o movimento inverso dos protocolos de camuflagem e adaptação. Por um momento, ela até parece uma protagonista solitária sendo visitada por agentes perversos à la Agente Smith, mas logo vem os flashs do desnauralizador apagar tal digressão. Um filme tão direto ao ponto apara todas as suas arestas. Espetáculo cômico contido numa austeridade narrativa.

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Lista de sci-fi comedy no subgênero space fiction:
[0] Primeiro tratamento: 17/06/2021.
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