por Paulo Ayres
Na Antiguidade, fenícios desbravadores estiveram na região onde na Modernidade se formaria o Rio de Janeiro. Supostamente escalaram a Pedra da Gávea e descobriram um portal secreto para outro mundo. Os que sobreviveram durante séculos foram regredindo em complexidade social até chegar ao ponto do comunismo primitivo. Vivendo por lá, outro povo mais ou menos nas mesmas condições tecnológicas. Esses indivíduos sociais são verdes, baixos e gordinhos, no entanto, tem a própria banda moderna de música, Os Grunks.
Essa introdução puramente ficcional não é mostrada em Os Trapalhões na Terra dos Monstros, mas serve para situar a perspectiva de outra maneira, numa historicidade mais ampla, assim como a percepção de tempo do monstro Lama. Lá fora, o Rio de Janeiro do finzinho da década de 1980. No táxi esdrúxulo do Didi (Renato Aragão) há até um televisor portátil. Algo incomum para o período e que está sintonizado no programa do Gugu. Os bonecos do conjunto Os Grunks se esforçam musicalmente, mas a farsa direciona seus holofotes para outros produtos da cultura pop da temporada: as canções de Angélica, Conrado e grupo Dominó. Esse último está tão deslocado no desenvolvimento narrativo que aparece na filmagem de um videoclipe que interrompe a trama como um intervalo musical. Entretanto, para além desse aspecto, o filme é uma boa sátira tardia ainda com a formação do quarteto de humoristas.
Junto com a confecção de fantasias e fantoches bem feitos para o contexto, Os Trapalhões na Terra dos Monstros depende bastante do cenário de estúdio que simula um espaço cavernoso e um horizonte aberto. Modesto, mas significou a nossa versão de uma aventura cinematográfica “roliudiana” com mundo paralelo e criaturas fantásticas. Filmes mais antigos e frágeis dos Trapalhões que apostam na criação de outro mundo, como O Trapalhão no Planalto dos Macacos (1976), corroboram com a imagem um tanto mais sofisticada de obras como A Princesa Xuxa e os Trapalhões (1989) e este, do mesmo ano, e que contém outra loira de programas infantis.
Os Trapalhões na Terra dos Monstros até se dá ao luxo de ter uma animação acurada nos créditos iniciais, introduzindo o refresco Royal como o grande patrocinador. No quarto da Angélica, na mansão, Mussum é seu despertador pessoal tocando bateria e lá está o Bocão da Royal, mascote da empresa. Mais enfeite publicitário do que uma brincadeira de metalinguagem, pois Renato Aragão e sua turma não têm o olhar voltado para a farsa metalinguística no cinema. O foco é o da farsa física mesmo como combustível circense entre as piadas verbais e a musiquinha de aventura: pipocada, cachorrada, cadeirada, palmada, queimada, balançada... enfim, até a última etapa que invoca uma coletiva porrada.
Curioso, um grunk, faz o trajeto de dentro para fora, interessado naquele mundo onde muita gente tem mullet como corte de cabelo e há um burguês fofinho (é assim que o chamam) que se convence da importância da causa ambiental. Dono de uma indústria de papel, diz que para cada árvore derrubada serão plantadas mais três. Seria esse o tal “sonho maluco”? Expressão recorrente no filme.
Dirigido por Flávio Migliaccio, ator e autor de Aventuras com Tio Maneco (1971), Os Trapalhões na Terra dos Monstros revela uma ironia do período com os grunks. Contexto farsesco à parte, faz sentido que os barks, monstros vilões que são poucos, sejam derrotados pelos baixinhos e pelos seres humanos ali. Ou seja, é algo diferente dos ewoks sendo um fator decisivo na derrota da temível tropa imperial de Darth Vader em Return of the Jedi (1983). Os fofuchos do Brasil estão em uma sátira edificante bem lapidada no seu gênero. A trilogia clássica de Star Wars, por outro lado, se completa num folhetim fraco e destoante, uma sátira que está no mesmo nível de Os Trapalhões na Guerra dos Planetas (1978), a paródia tosca feita pelos Trapalhões.
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