terça-feira, 2 de julho de 2024

Pena máxima


The Green Mile
 
(tríler,
USA, 1999)
de Frank Darabont.
 

 
por Paulo Ayres
 
The Green Mile é uma crítica ou uma apologia da pena de morte? À primeira vista, a intenção parece ser uma crítica em forma de ficção. No desenvolvimento objetivo do filme parece uma apologia com ressalvas. Então, pode-se dizer que é um pouco dos dois, mas não por um desejo deliberado dos realizadores de colocar ambiguidade sobre o tema, e sim por uma visão estreita que se movimenta nas incoerências do humanismo abstrato. The Green Mile é um tríler mágico que dura cerca de três horas para fazer um sermão contraditório e também com dificuldade de colocar um ponto final nesse seu discurso. Apesar de começar com a metáfora de ver um asilo como um corredor da morte “natural” — tendo também um corredor esverdeado como o da antiga prisão —, o filme de Frank Darabont se perde na metáfora sobrenatural. E o fato de Stephen King ter gostado da adaptação do seu romance homônimo (1996) diz bastante sobre as limitações da obra.
 
Darabont já havia feito outro drama cinematográfico a partir de um livro de King, The Shawshank Redemption (1994). E se lá havia a imagem de Rita Hayworth, em The Green Mile há a projeção de Fred Astaire cantando e dançando em Top Hat (1935), trazendo o longo flashback que se passa no ano em que essa sátira musical foi lançada. São as lembranças de Paul Edgecomb (Tom Hanks) antes de deixar de ser um dos carcereiros de um corredor da morte na Louisiana, quando conhece o condenado John Coffey — Michael Clarke Duncan enquadrado para parecer ainda mais alto do que era. Na porção de mérito de Darabont está a boa condução, em ritmo lento e envolvente, da convivência rotineira do grupo de guardas e dos presos. Um lugar repleto de tensão, remorso e morbidez, mas também de pequenos gestos de amizade nas lacunas da racionalidade formal.

Por mais que tenha episódios de poderes mágicos — John Coffey, inocente, tem o poder de cura, injetando vida no que toca — e episódios de feitos fantásticos — Mr. Jingle, o rato amestrado, torna-se praticamente o bicho de estimação do local —, as coisas não escapam do rigor da lei estatal. Darabont faz de cada ensaio e de cada execução na cadeira elétrica um momento aflitivo em que o ritual cheio de solenidade é contrastado pela respiração ofegante do preso apavorado. É nessa camada de impacto que o filme critica essa prática e o racismo. Por outro lado, a trama está interessada religiosamente no martírio desse homem negro e insere dois vilões naquele espaço — o agente penitenciário Percy Wetmore (Doug Hutchison) e o preso Wild Bill (Sam Rockwell). E o drama edificante vai além: vai punir os dois sujeitos com severidade, fazendo um deles enlouquecer e matar o que é o verdadeiro assassino de duas meninas. No fim das contas, a dramatização imatura, recorrendo ao maniqueísmo, anula o reflexo sobre a complexidade da sociedade capitalista e o problema do preconceito, indicando que há gente “do mal” mesmo e que merece até ser morta.
 
Ainda que The Green Mile represente o mal visualmente como algo reversível, possível de ser expulso como uma aparente nuvem de insetos que sai da boca do homem, o tríler também vê o mal personificado em pessoas. E esse erro não pôde ser desfeito pela narrativa paciente.
 
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Lista de fantasy thriller no subgênero magical fiction:
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