sábado, 2 de agosto de 2025

Luz solar

 Nosferatu

(tríler,
USA, 2024)
de Robert Eggers.


por Paulo Ayres 

Filme sobre obsessão e possessão, o Nosferatu de Robert Eggers é uma ficção fantasiosa que possibilita o olhar mais atento às fronteiras de subgêneros. Obra cinzenta, de penumbra, cheia de ícones que se classificam, mais ou menos, como uma proposta de entretenimento horrorífico. Há uma força sobrenatural no enredo e Ellen Hutter (Lily-Rose Depp), uma moça possuída mentalmente por essa determinação sombria. Albin Eberhart Von Franz (Willem Dafoe), um suposto especialista nesses assuntos, fala até em demônio. E talvez existam essas criaturas nesse universo mesmo. Inferno e paraíso também. O ponto predominante, no entanto, está em que o Conde Orlok (Bill Skarsgård), apesar dos poderes extra-humanos, é um sujeito de carne e osso. Quando ele embarca de navio em direção à mulher com quem se comunica telepaticamente, o intervalo geográfico é um indicação decisiva. Sua fala em off diz que em breve não será apenas um sonho, sua carne se fundirá.

Igual e diferente, o Nosferatu de Eggers tem algo do Dracula (1992) de Francis Ford Coppola. Esse último encenou de forma folhetinesca, Eggers fez uma encenação trileresca, mas ambos tem linhas gerais parecidas na estrutura. Ademais, são duas ficções mágicas. Aqui entra na constituição corporal do personagem. Por mais que tenha elementos que são, à primeira vista, identificados com a ficção sobrenatural, o passo seguinte está dado: um vampiro é uma criatura mágica no sentido de que é um ser vivo dotado de magia — mesmo no conceito de morto-vivo, ele é predominantemente vivo. Certas habilidades paranormais em ficções, como mediunidade e telecinesia, não são suficientes dependendo do contexto. A primeira é apenas uma interação com o além e a segunda pode ser feita por entes não materiais do mundo dos mortos. O Conde Orlok, por sua vez, é material, com aparência alta e imponente, e desfecho, no plano derradeiro, de fragilidade definhando. Diferente da Rosemary que engravidou de um diabo espiritual no filme (1968) de Roman Polansky, o coito de Ellen é entre dois organismos.
 
O enredo se passa em 1838 entre a Alemanha e a Transilvânia. Thomas Hutter (Nicholas Hoult), marido de Ellen, faz uma viagem de negócios até a propriedade do nobre e recluso Conde Orlok. Nessa ida ao castelo, nesse período emblemático, está um cenário clássico em que a ficção especulativa observava a decadência e o isolamento de estruturas feudais, as ruínas da ficção épica no sentido estrito. Degradação temática essa que não se afirma no filme americano. O recurso ao sacrifício redentor é reforçado pela luz da manhã que entra no cômodo. Drama edificante, Nosferatu se diferencia da luz niilista de The Lighthouse (2019), a obra anterior de Eggers que se passa num farol marítimo.
 
O filme original, Nosferatu: Eine Symphonie des Grauens (1922), foi feito nas limitações do cinema mudo. A farsa de F. W. Murnau, em preto e branco, possui outro tipo de iluminação. Aquela do juízo posterior, em que se nota o desenvolvimento histórico da arte audiovisual. Nosferatu, o filme mais recente, é produto de um tempo no qual o desafio é lidar com o leque de possibilidades. 
 
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