segunda-feira, 24 de março de 2025

Aprendizagem profunda

 Eva

(dramédia,
ESP/FRA, 2011)
de Kike Maíllo.



por Paulo Ayres

Há quem diga que de onde menos se espera vem algo para nossa surpresa; outros corrigem o ditado popular: da onde menos se espera, dali mesmo que nada vem. As duas expressões têm sua validade, pois, por mais que a realidade objetiva seja uma síntese de determinações, há espaço para a inclinação do acaso. O drama franco-espanhol Eva que o diga. Exemplifica a junção dos ditados, porém não de uma maneira estritamente dialética, deixando uma sobreposição mecânica sobre o recurso do plot twist. Eva tem uma virada de trama com impacto, ao menos para quem esperava uma coisa e dá de cara com outra. Em certo aspecto, isso lembra The Sixth Sense (1999), outro bom drama edificante — aliás, eu ouvi, involuntariamente, alguém comentando e dando o spoiler, no período, antes de ver o tríler estadunidense.
 
Eva é uma dramédia tecnológica sobre robôs que se desenvolve de maneira contida, salientando certa frieza geográfica, que cria o ambiente adequado para o cientista protagonista da vez, o engenheiro Álex (Daniel Brühl), apresentar seu dilema enquanto objeto de estudo e ponto de irradiação do enredo. Nesse ponto, ademais, Eva recorre a um uso extravagante — para o contexto — de efeitos visuais com luzinhas didáticas. Um tipo de orquestração pedagógica, manual mesmo, como parte do trabalho de Álex que combina engenharia robótica e psicologia aplicada na persistência. Assim como há em Minority Report (2002), trata-se de uma ilustração meio holográfica, um tanto pomposa. Nesse projeto de um robô humanoide em Eva, poderia ser a mágica de um Geppetto criando um Pinóquio, mas estamos  numa ficção científica. Lá fora a neve cobre a paisagem e gradualmente o diretor Kike Maíllo introduz os elementos que criam variações sutis de tom até a virada profunda. Há alguns robôs grandes e pequenos no exterior e na universidade. proporcionando um certo encanto discreto. Enquanto isso, na residência de Álex, um gato robô e um androide empregado (Lluís Homar) se revezam como alívio cômico. Seria esse último um eletrodoméstico ou um ser social? O filme não cria uma classificação nítida, mas deixa claro que a inteligência artificial retratada causa uma certa interação distanciada e fria, em sintonia com o cenário. A partir daí, o projeto SI-9 é um passo além e Álex quer criar a primeira mulher de uma nova geração, tendo como base as emoções de uma pessoa, no caso uma criança.
 
O que é um ponto vermelho na neve? Eva (Claudia Vega), uma menina serelepe que chama a atenção do cientista. A princípio, de fato, é estranho como ela vira ajudante do experimento como modelo cognitivo e afetivo. Logo, o roteiro gira e o protagonista (e o espectador) descobre que ela é filha de uma ex-namorada dele, Lana (Marta Etura), também ligada à faculdade robótica. O rumo banal do plot amoroso reforça a afetividade paterna, em seguida, há a virada derradeira.
 
Pode-se dizer que o desfecho lacrimoso com um sacrifício redentor também acrescenta uma passagem de desenvolvimento, mas é só no sentido de reafirmar a linha grandiloquente, preenchendo as luzes esféricas e dados brilhosos com certa alma familista. Esse trecho pesaroso não é como uma calculada queda de energia, mas, pelo contrário, soa como um holofote que ofusca a visão.
 
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Lista de sci-fi dramedy no subgênero techno-fiction:
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