(folhetim,
BRA, 2024–2025)
de João Emanuel Carneiro.
de João Emanuel Carneiro.
por Paulo Ayres
Quando Mania de Você começou não se poderia prever que sua segunda fase teria a afirmação mais enfática de uma nova fase da dinâmica das novelas — assim, como Volta Por Cima (2024–) e Garota do Momento (2024–); expandindo o próprio modo de feedback do ato de realizar essa categoria de ficção televisiva. Como se sabe, o autor de telenovela funciona como um maestro conduzindo uma orquestra de núcleos — e, em especial, a tradição brasileira faz uma costura de muitos núcleos. Há alguns meses planejados para o desenvolvimento ser concluído, com a audiência, os comentários e as críticas sendo elementos que interferem no processo criativo. João Emanuel Carneiro, com Avenida Brasil (2012) já havia feito uma das obras mais destacadas do formato, com Mania de Você, o feito se repete de certa maneira.
A primeira semelhança que se nota em alguns folhetins criminais do autor é um desejo de deixar em suspenso certas afirmações como viradas decisivas que mexem com a própria percepção do conjunto. Com A Favorita (2008–2009), por exemplo, o elemento central de início aparece na indefinição de quem é a heroína e quem é a vilã, e só com um tempo estabelecer isso. Mania de Você, por outro lado, destaca um núcleo de vilões, a partir da segunda fase, com uma ênfase satírica bem forte. E a grande ironia proposta é que se trata de um núcleo familiar em que os negócios escusos e as relações afetivas estão imbricadas. Um afago aqui, uma facada nas costas acolá. Ou seja, não tem a estrutura de famiglia da máfia e seu código de lealdade, mas uma instabilidade com um cinismo de alto nível. Deste modo, Adriana Esteves não repete algo como a Carminha de Avenida Brasil; Mércia é um tipo de pilar, blasé e com uma ânsia familista, que procura manter a coesão desse núcleo social. Um dado curioso é que nem seu parceiro Ramiro Molina (Rodrigo Lombardi) e nem os “filhos” Mavi (Chay Suede) e Luma (Agatha Moreira) conseguiram intimidar a burguesa como a participação especial de outra megaempresária, a efusiva Magda Mendonça (Débora Lamm), querendo comprar seu resort, o Albacoa.
O feito da temporada na produção de novelas da Globo, que Mania de Você, impulsiona, é a intensidade e a rapidez de dialogar com certas fontes popularizadas no momento e significar e ressignificar o folhetim de acordo com um jogo de referências, que refletem um jogo de expectativas. Um mergulho na significação indireta, como pode insinuar a abertura aquática com a canção homônima de Rita Lee, interpretada por Anitta.
É como se, além dos costumeiros escritores colaboradores, Carneiro contasse com um departamento de RH, indicando opções, na medida do possível, de fazer giros nos núcleos e trazer determinados temas com desenvoltura, e também deslocá-los de modo a não afetar a linha que sustenta cada parte. Esse espelhamento está até na direção artística de Carlos Araújo, introduzindo, gradualmente, o tema das câmeras escondidas, da espionagem organizada por Mavi, para a própria encenação. A forma dos planos recebe, às vezes, alguma injeção de ângulos inusitados, inclinações com tensão, olhar de fora, desfocamentos parciais e discretos, além de mensagens de fundo; enfim, uma aclimatação com uma porção de metalinguagem, sem fazer disso um fim em si mesmo — embora certo giro de personagens exagerou na dose de café.
Curiosamente, o segundo núcleo familiar mais destacado em Mania de Você apresenta esquemas de golpismo feito por “peixes pequenos”, mas chama a atenção pela maneira mais discreta e divertida. Uma família que se rompe e se conserva. Edmilson Carvalho (Érico Brás) se sobressai como uma espécie de Homer Simpson brasileiro que encarna uma malandragem boemia. E a ideia da filha chantagista de pensões, Lorena (Liza Del Dala), também é de fina ironia. Há até uma aprendizagem moral para Edmilson, mas como um agregado desgarrado que, além disso, reflete a tendência de pobres convivendo em puxadinho e similares na residência. Merecia uma série própria. Essa família é muito unida... de um jeito diferente daquele da Mércia e mais ousada que a da série comediesca A Grande Família (2001–2014).
Em terceiro lugar na sátira edificante, mas não menos importante, uma aliança interclassista do lumpesinato criminoso, com a parceria entre a dondoca safada Ísis Cavalcanti (Mariana Ximenes) e a empregada doméstica Leidi (Thalita Carauta). Picaretagens que mostram que a dimensão lúmpen é uma espécie de sombra na sociedade e pode unificar camadas distintas de acordo com um jogo de interesses. Às vezes, a diferença é epidérmica, de etiquetas, num perde-ganha que transfere valores entre diferentes contas. Algo em outro tom é a ascensão de Viola Silva (Gabz), carregando o foco e o fardo de ser a mocinha, ela coloca um pé na lama — ainda mais com a “bengala” do roteiro sobre uma fase de vingança —, mas nunca entra totalmente nesse estilo de vida. Pelo contrário, na última etapa, ela representa o ativismo comunitário que abre portas de cidadania para fora do submundo, participando de uma organização artística da periferia. Já com o mocinho, Rudá Bocaiúva (Nicolas Prattes) acontece algo insólito: ele também sofre com uma armação, é preso e acaba assassinado.
Ambientada em Angra dos Reis e tendo a culinária profissional como principal adereço de fundo, a ficção histórica transita entre células sociais onde imperam a desconfiança. Pelas circunstâncias da cadeia, um trisal quase se forma; há também dois maridos (bem) ciumentos — e um deles não só muda, como, pensando que tem pouco tempo de vida, tenta arrumar um parceiro para a esposa; há ainda gente como a portuguesa Filipa (Joana de Verona), uma incógnita. No entanto, não só o senso de justiça fala mais alto, como o rumo está na regeneração jurídica do núcleo principal, ou, pelo menos, ganhando uma segunda chance enquanto família e reforço do vínculo materno.
= = =
Lista de historical feuilleton no subgênero crime fiction:
= = =
Nenhum comentário:
Postar um comentário