segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Vigília realista

Christmas Evil

(folhetim,
USA, 1980),
de Lewis Jackson.

 

por Paulo Ayres

Descrito pelo cineasta John Waters como o melhor filme natalino, Christmas Evil (originalmente nomeado de You Better Watch Out) foi feito no auge da onda slasher nos Estados Unidos, mas difere da maioria pelo protagonismo do assassino, pela paciência narrativa e pelo conteúdo subversivo. A ideia de um Papai Noel homicida aqui, com efeito, remete para além de si mesmo, para além do transtorno mental do indivíduo, abarca o próprio período natalino como mitologia contemporânea — em outros folhetins criminais, como Black Christmas (1974) e Silent Night, Deadly Night (1984), a época de Natal é mais um pano de fundo e adereço temático. Deste modo, a loucura crescente de Harry Stadling (Brandon Maggart em desempenho excelente mesmo quando assume a fantasia barbuda) dita o ritmo dos acontecimentos, em vez da ênfase em body count.

A sátira realista de Lewis Jackson não se distancia de Harry como um “monstro” após uma transformação. Pelo contrário, os momentos de pavor e de ternura se alternam e acompanham a decadência psíquica do colarinho branco, incluindo um uso subjetivo da trilha incidental e de alguns efeitos sonoros como ecos da mente perturbada do servidor — cujo ápice desse processo é o final deslumbrante com sua van; embora fique aberta a leitura de que seja uma ficção de fantasia, a explicação mais coerente com a totalidade é de que se trata de um mystery feuilleton captando certas manifestações da subjetividade do protagonista. Por outro lado, o prólogo da infância traumática de Harry, em 1947, indica uma dinâmica bem superficial, mas isso se dá pelo fato de que Christmas Evil, como folhetim, não propõe um aprofundamento psicologizante. O percurso singular serve para expor o entorno enquanto um conjunto de padrões de sociabilidade.

O que interessa é conduzir esse protodrama até o ponto em que os ícones da cultura de fim de ano são transbordados como uma festividade de uma sociedade doente, iluminada por belas decorações e por tochas de linchamento. Harry, nesse sentido, é apenas a lenda do Papai Noel elevada ao quadrado: a ideia de vigilância, confraternização, caridade, punição... Mercadorias caindo no chão da fábrica Jolly Dreams, sem “duendes” para realizar a categoria fundante do ser social, e observadas pelo moralista ensandecido. Christmas Evil reflete o protesto impotente do anticapitalismo romântico contra a hipocrisia contemporânea, caminhando entre a solidariedade comunitária e o terrorismo individual. Enfim, de fato, é um retrato de dezembro que nos diz muito sobre o período em que o espírito comercial e o espírito fraterno (chamado de espírito natalino nesse tempo) se evidenciam de maneira contraditória.

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Lista de crime feuilleton no subgênero da mystery fiction:

[0] Primeiro tratamento: 17/12/2020.
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