sábado, 24 de junho de 2023

Encontro niilista

Hard Candy

(tríler,
USA, 2005),
de David Slade.


 
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por Eduardo Valente
Cinética/2006

O longa de estreia de Slade deixa claro, logo nas suas primeiras imagens (que reproduzem na tela scope um teclar de chatrooms de internet), que se interessa muito em estar inserido na contemporaneidade. Ponto positivo para o filme, a princípio. No entanto, logo descobrimos de qual contemporaneidade se trata aqui. Aquilo que começa como um curioso exercício de “deslocalização” espacial (a conversa no café, quase toda em closes que nos retiram do espaço exterior aos personagens), e parece inveredar por uma área pantanosa, mas não sem interesse (as relações pessoais versus as relações pela web), logo descamba no mais profundo moralismo — disfarçado, como muitas vezes é o caso, de “radicalismo”. Pior que o conteúdo moralista, porém, é a forma como o filme o externa: através da desumanização típica de um determinado cinema recente, que o crítico Ruy Gardnier chamou na Contracampo (acerca do La Pianiste [2001], de Michael Haneke), da “estética do refém”. Neste cinema, o sadismo do realizador com relação a seus personagens duplica e disfarça o sadomasoquismo que espera do espectador: fustigá-lo com imagens da tortura dos personagens é, também, o desejo de torturá-lo, acreditando que só nesta catarse se encontra alguma resposta deste espectador. Nesse sentido, “Menina má.com” (que tradução horrenda!) é um exemplar caso da estética do refém em sua vertente mais pop (Haneke está na vertente intelectualizada). Em comum, supostos temas “sérios” (que, num filme moralista como este, claro que vem encarnado como cautionary tales, ou seja, contos exemplares para causar o medo e o alerta no espectador). Entre a autoconsciência de sua “malandragem de linguagem” e o abuso mental de quem assiste, é preciso muito estômago para aguentar este filminho fascista até o final.

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