sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Lugar nenhum

Riding in Cars with Boys 
 
(folhetim,
USA, 2001),
de Penny Marshal.
 

 
por Paulo Ayres

No vaivém de flashbacks, Riding in Cars with Boys é mais interessante como sátira sobre a gravidez na adolescência do que um panorama do fracasso parcial do american dream, espremido em condições objetivas de exploração e precariedade. A questão patriarcal está lá e a relação de Beverly Donofrio (Drew Barrymore) com os boys da sua vida — o pai, o marido, o filho e o amigo — não implica em maniqueísmo. A complexidade do folhetim histórico, todavia, se concentra no olhar crítico às tradições mofadas das relações familiares entre as gerações. As adversidades de uma sociabilidade competitiva e coisificadora, nesse sentido, aparecem mais como um efeito da vida que sai do controle. E por mais que a diretora Penny Marshal acerte em não reduzir Bev a uma mártir exemplar, por outro lado, é difícil não evitar um tom triunfante de feminismo liberal.

As circunstâncias da vida fizeram Bev viver numa vizinhança white trash, mas ela está sempre lembrando que é uma estranha naquele ninho, que tem potencial de ter um diploma universitário e levar uma vida pequeno-burguesa. Aquela periferia se torna uma espécie de limbo, um não-lugar, pois o olhar da protagonista é o olhar narrativo do folhetim. Mais do que escrever um livro autobiográfico, o ponto de superação para a trama é cair fora dali, voltar ao nível de vida do suburb comparativamente mais abastado. E se Bev recebe uma autocrítica certeira como a mãe controladora que se tornou, a sátira edificante só termina quando há a reconciliação com seu filho e seu pai (James Woods). É a ideologia da “razão comunicativa” de Magnolia (1999), embora de maneira mais comedida.
 
Riding in Cars with Boys, como a career fiction que é, apresenta as ações do tempo, não só nas pessoas, mas também no espaço urbano dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e 1980. O clímax, com efeito, quando Bev e Jason (o filho) visitam o trailer do ex-marido (Steve Zahn), intensifica a sensação de lugares e, também, gente, de categorias diferentes. Por mais que Ray seja um cara legal no filme, a sua assinatura soa como humilhação aos que não se esforçaram o suficiente atrás do ouro. O apartheid informal, que nasce da dinâmica em nível amplo, não é sentido nas raízes estruturais, mas como uma falta de “sorte” e/ou de “força de vontade” num entrecruzamento superficial e intersubjetivo de decisões equivocadas e carente de consenso.

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[0] Primeiro tratamento: 03/04/2021.
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