(dramédia,
USA, 2022)
de Daniel Kwan
USA, 2022)
de Daniel Kwan
e Daniel Scheinert.
por Paulo Ayres
Se antes a ideia de multiverso já era um terreno fértil para a ficção especulativa, a concepção se popularizou bastante depois que a Marvel assumiu essa postura para unir e esparramar sua expressão cinematográfica. Eis que surge Everything Everywhere All at Once como figura de destaque da A24 para tratar o tema. Em essência, essa produtora realizou a mesma coisa que a subsidiária da Disney e outras andam fazendo. A encenação dramediesca da dupla Daniel Kwan e Daniel Scheinert, com fotografia soturna e ritmo de videoclipe, remete a algo como um The Matrix (1999) cheio de piadas visuais. Everything Everywhere All at Once até parece que vai enveredar pela ficção científica também, mas o acúmulo narrativo cria uma sobreposição carnavalesca e absurda de forma crescente. Nesse aspecto, a identidade do filme é uma curiosa operação de resistência racional.
As várias camadas em idas e vindas no enredo significam que “toda coisa” e “todo lugar” podem ser embaralhados. Um núcleo duro permanece: o casal sino-americano Evelyn Quan Wang (Michelle Yeoh) e Waymond Wang (Ke Huy Quan), que possuem uma lavanderia, Gong Gong (James Hong), pai de Evelyn, e Joy Wang (Stephanie Hsu), a filha. Jamie Lee Curtis, como a inspetora Deirdre Beaubeirdre, está conectada com as transformações existenciais. Roupa suja se lava na receita federal e o filme concentra os saltos “multiuniversais” por ali. A mediação de fones e aplicativos, além de haver um universo Alpha como centro de controle, tornam-se gradualmente detalhes do movimento ligeiro de cortes, mudanças, lentes trincadas, entre outros efeitos. Everything Everywhere All at Once quer o embate de duas entidades superpoderosas, deificadas. As plumas e paetês de certos figurinos, um universo de dedos de salsichas, um guaxinim cozinheiro são alguns exemplos de como essa magical dramedy vai além da briga de uma super-heroína e uma supervilã. Um universo em que Evelyn é uma atriz de sucesso projeta a metalinguagem que gira o filme freneticamente: a imagem do bagel pode ser ridícula, mas indica o processo de “niilização” que ameaça o filme. Joy Wang/Jobu Tupaki é o arquétipo da juventude existencialista que não acredita em verdade objetiva. Nesse sentido, Evelyn, enquanto a força pulsante do humanismo abstrato, tem a missão de estabilizar a obra como drama edificante.
Em relação ao desdobramento de universos incontáveis, há perdas e ganhos no espelhamento do real. Pode ser entendido como metáfora do leque de possibilidades presente nas interações intencionais. Nesse vaivém, a conquista está em se dar conta da complexidade da esfera do ser social, em que até as pequenas decisões e o acaso são também componentes entre as determinações da vida cotidiana. Certa dose de monotonia parece inescapável até para rabiscos, embora haja muita diferença entre ser rica e ser pobre. Por outro lado, ao explicar o problema como a fragmentação de filha e mãe, Everything Everywhere All at Once cria uma barreira alegórica tão autocentrada que o contexto social daquele grupo fica embaçado, parece que foi sugado em parte pelo buraco negro. Uma lavanderia se torna o centro do multiverso. Maior que o de Interstellar (2014), é o fetiche da família nuclear em nível astronômico.
Em certo momento, até é possível supor que a dupla de autores vai transportar definitivamente a consciência da Evelyn, que é a protagonista do “nosso” mundo, para outros mundos — ela continuaria viva em certa medida. Isso não ocorre. O desenvolvimento do roteiro visa conservar aquele grupo afetivo específico. Uma conservação com superação representando um grau de amadurecimento, mas que se fecha nessa união microscópica como se fosse o mundo entrando nos eixos. Alternando-se criativamente e de maneira binária, kung fu e gentileza são o caminho das pedras.
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Lista de fantasy dramedy no subgênero magical fiction:
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