(folhetim,
BRA, 1989-1990)
de Aguinaldo Silva
Ricardo Linhares
e Ana Maria Moretzsohn.
por Paulo Ayres
Com O Sétimo Guardião (2018–2019), Aguinaldo Silva não apenas retomou seu estilo característico com cidadezinha mágica, como deu forma a tão falada Serro Azul. Independente se é o mesmo município mencionado em A Indomada (1997), o prefeito de Greenville e sua esposa aparecem de carro voador numa participação especial. A trama, que envolve um gato preto que vira humano, significou a confirmação autoral de um artista que pensou de forma mais intensa a continuidade ficcional na tradição de telenovelas. Alguns outros escritores até realizaram isso pontualmente ou em breve citação, mas Aguinaldo Silva criou um universo específico para sua obra. Na verdade, é uma conexão coletiva da qual ele é a principal cabeça e unificador. Começa com certas adaptações televisivas dos camaradas Dias Gomes e Jorge Amado e, com o tempo, Aguinaldo Silva, um herdeiro artístico, estabelece um padrão e expande esse universo audiovisual.
Tieta, nesse sentido, é a absorção do livro (1977) de Jorge Amado em que o trio Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn apresenta uma relativa autonomia, até incluindo um grau de metalinguagem com a trabalhadora doméstica de Tieta fazendo comentários sobre as novelas. Sátira de grande audiência, Tieta se situa na virada da década de 1990, tendo no próprio enredo o maravilhamento que um transporte de televisores traz para a cidade minúscula do interior baiano. O caminhão de Gladstone (Paulo José) indica um grande poder cultural da televisão naquela quadra histórica e como isso, de certa forma, encontra sintonia metafórica numa ficção fantasiosa. Até porque, enquanto folhetim mágico, Tieta preserva certa discrição. A magia como recurso forte em Aguinaldo Silva viria em seguida com Pedra Sobre Pedra (1992) e Fera Ferida (1993–1994), por exemplo. Um ponto sobrenatural que não deixa dúvidas em Tieta é a participação especial de Jorge Dória interpretando o Pastor Hilário, um líder religioso com poderes mágicos. Ele tem uma luta memorável com Perpétua (Joana Fomm), estereótipo do fundamentalismo católico e que nem o padre local (Cláudio Corrêa e Castro) suporta.
A beata vilã é uma força cênica arrebatadora, tal como a Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), de Senhora do Destino (2004–2005) e também de Aguinaldo Silva. A cidade cenográfica da TV Globo parece um pacato fim de mundo onde a distribuição de energia elétrica é coisa recente, mas enquanto veículo de comentários sobre moralidade e costumes se destaca bastante como entretenimento que diversifica assuntos polêmicos. Prato cheio para a bisbilhoteira que vive de luto. Ainda que haja uma rixa cristã sobre catolicismo e protestantismo e, também, um duelo político sobre uma instalação ou não da fábrica de Mirko Stephano (Marcos Paulo) em Mangue Seco, essas contradições são pequenas, para o foco narrativo, perto das várias contradições familiares que movimentam as residências do lugar.
A volta por cima da filha pródiga e protagonista (Betty Faria) se dá através de uma cafetinagem secreta. O folhetim, como era de se esperar, romantiza o namoro incestuoso com o sobrinho seminarista (Cássio Gabus Mendes). Esse, por sua vez, larga a formação para a batina e vira mais um frequentador corriqueiro da casa da luz vermelha. Príncipe imaginário da donzela Imaculada (Luciana Braga), uma adolescente vendida para ser uma das “rolinhas” do Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), mas, diferente das outras, consegue fugir. O velho representa o poder econômico e político de um patriarcado em forma tradicional, contrastado pelo assessor da prefeitura Ascânio Trindade (Reginaldo Faria). Há também dois maridos adúlteros: Modesto Pires (Armando Bógus), com outra família, e Timóteo D'Alemberti
(Paulo Betti), um comerciante vivendo com Elisa (Tássia Camargo) ao estilo “juntos e separados”. Por outro lado, ocorre uma superação afetiva com conservação e elevação na casa de Laura Queiroz (Cláudia Alencar) e do Comandante Dário (Flávio Galvão). Gradualmente, Silvana (Cláudia Magno) é incluída na relação — independente se é oficial ou marmita, não é sempre que se vê isso em novelas. Embora a inovação se torna meio apagada pela explicação não sobrenatural da mulher de branco, o trisal progride em outro estado no desfecho.
Se Serro Azul pode ser entendida como uma suposta cidade itinerante vagando sua localização por estados diferentes, essa Santana do Agreste possui a essência de uma cidade fantasma. Para evitar uma possível série de continuação, Aguinaldo Silva e o diretor Paulo Ubiratan decidiram por um final de impacto geográfico, em que uma repentina tempestade de areia vindo das dunas deixa o vilarejo soterrado. Ou seja, em pleno momento de realizações costumeiras de último capítulo, como o casamento clichê de Imaculada ou a inauguração do circo de Bafo de Bode (Bemvindo Sequeira), a ficção mágica ironiza o aspecto de isolamento contemplativo do local. Durante os capítulos da sátira realista, percebe-se como a ligação com o exterior é escassa e tem como principal veículo de deslocamento uma velha Marinete. O discurso de progresso de Ascânio muda com o tempo, a trama assume, de maneira enfática, a vilanização industrial. É verdade que novos empreendimentos de trabalho, mais sustentáveis, surgem como horizonte de desenvolvimento da cidadezinha, porém o complexo turístico de Leonora (Lídia Brondi) e a confecção de vestuário de Carol (Luíza Tomé) possuem um aspecto tradicional e limitado, uma preservação conservadora. A luz de Tieta, nessa versão, significa uma passagem intensa no quesito de costumes, mas não é suficiente para a avançar o complexo da economia regional.
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Lista de fantasy feuilleton no subgênero magical fiction:
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