por Paulo Ayres
Pensado como uma crítica romântica à coisificação contemporânea das relações afetivo-sexuais, Materialists é uma boa dramédia de costumes porque permite ver algumas oscilações na vida cotidiana. O namoro e o matrimônio como negócios escancarados, embora com certa suavização na lábia mercadológica. Como diz Lucy (Dakota Johnson), um serviço como o seguro de vida e a funerária. A mulher representa a eficiência e a produtividade nessa empresa em que trabalha e que cria um tipo de cardápio, selecionando o que supostamente combina em gostos de clientes. É claro que tudo se direciona daquela forma previsível em que o processo de uma cliente faz a protagonista ter uma crise de consciência e se indagar até que ponto essa mercantilização afetiva funciona como uma mediação humanista. O drama edificante termina com a reconciliação de Lucy com seu ex-namorado John (Chris Evans), um trabalhador pobre. No percurso até aí, Materialists reflete certas contradições de maneira oportuna.
Numa primeira camada, mais pontual, questões superficiais no sentido de fisionomia e anatomia aparecem em alguns comentários e subtramas: etarismo, racismo, gordofobia, "baixofobia"... Esse último aspecto ganha relevo na presença de Harry (Pedro Pascal), um capitalista financeiro que é o tipo ideal nos perfis elaborados na empresa de Lucy. Os dois têm um namoro breve que o filme apresenta como um desvio de percurso, realçando a elegância amorosa e morna. Por outro lado, essa sedução do tipo ideal possibilita que a dramédia indique variações na moralidade que existem de fato.
No campo afetivo-sexual, há na sociedade uma imbricação unilateral entre a moral materialista (anarquia relacional e poliamor) e a moral idealista (amor romântico e acordo monogâmico). A contradição ironizada em Materialists é outra: a moral materialista de consumidor servindo de suporte para se erguer uma dimensão de moral idealista. Um negócio como o da empresa Adore, apresenta-se, prioritariamente, como a oferta desse último tipo de relações sociais. Com isso, a coisificação típica do capitalismo tardio se explicita como pretensão e insuficiência. Curiosamente, o elogio da moral idealista leva o filme a uma digressão de história idealista: um casal cavernícola apaixonado é como Lucy imagina o momento em que a humanidade estabeleceu as bases afetivas que se desenvolveriam com o tempo.
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