sexta-feira, 4 de julho de 2025

Sátira traída

A Mulata Que Queria Pecar 

(comédia,
BRA, 1977)
de Victor di Mello.
 

por Paulo Ayres

Se A Mulata Que Queria Pecar abrisse mão do seu título de mau gosto — uma típica tática mercadológica —, e se chamasse “Despedida de Solteiro” ou “Despedida de Casada”, seria muito mais coerente com seu conteúdo. Bibi (Juciléia Telles), a mulata do título, é uma madame que flagra seu marido, Jonas (Celso Faria), com outra mulher em Copacabana e, diante da traição confirmada, entra com um pedido de desquite. Curiosamente, é no mesmo ano de feitura do filme que será instituída a lei do divórcio no Brasil; contudo, Bibi se torna uma “desquitada”. É nesse momento de transição, em plena autocracia burguesa, que A Mulata Que Queria Pecar se apresenta como reflexo estético sobre sintomas sociais de indecisão em torno da mediação do casamento monogâmico.

Há dois movimentos em razões inversas, mas com um sentimento compartilhado: as duas despedidas festivas. O círculo de homens lamentando que um deles vai entrar na oficialização da monogamia e o círculo de mulheres comemorando o fato de Bibi voltar para a solteirice que possibilita múltiplos relacionamentos. Logo, o primeiro conjunto é absorvido pelo segundo numa festa de apartamento com anarquia relacional. A marchinha “Mamãe Eu Quero” dá o tom irônico do bacanal.
 
Entretanto, Bibi, dona do apartamento e indecisa no limbo do “desquite”, é apenas uma anfitriã enquanto mestre de cerimônias. A ficção histórica se revela uma comédia criminal com a abordagem policial encerrando a festa — no meio da folia, havia um esquema ilegal que foi denunciado. Enquanto isso, longe de bêbados e de uma sogra megera que entra de penetra com a filha, Victor di Mello filma Bibi e Jonas numa cena idílica na praia, tão sem noção quanto o título sensacionalista da sátira edificante. Infelizmente não soa como ironia. Ou será que não soar é ironia? Enfim, algo tão ambíguo como o próprio conceito de desquite.
 
Ainda que seja um complemento da tática mercadológica, A Mulata Que Queria Pecar apresenta um cartaz desenhado pelo Ziraldo, que ilustrou alguns títulos durante o período em que a Pornochanchada não só existia como se destacava como entretenimento brasileiro. 

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[0] Primeiro tratamento: 23/03/2020.
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