sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Capital variável

 
Vale Tudo 
 
(folhetim,
BRA, 2025)
de Manuela Dias.


por Paulo Ayres
 
Tendo como ponto de partida a cidade paranaense de Foz do Iguaçu, a nova versão de Vale Tudo (1988–1989) cria uma fissura cada vez maior entre duas visões de mundo, rigidamente opostas. A mãe, mocinha batalhadora e empreendedora, Raquel Acioli (Taís Araújo), e a filha, encarnação do golpismo, Maria de Fátima (Bella Campos). Obviamente que esse contorno é salientado de propósito na versão de Manuela Dias, fazendo uso até de um silogismo que Raquel fala, dizendo que “quem mente rouba e quem rouba, mata”. Essa dualidade está posta com certa ironia numa novela com esse título e que tem até uma abertura que festeja a cultura brasileira no Rio de Janeiro ao som de “Brasil”, cantada por Gal Costa. Ou seja, trata-se desde o início de dar vez e voz a essas duas representações. Elas ganham um destaque próximo, mas Vale Tudo faz o espetáculo ter como holofote as velhas conquistas familiares e dos bons costumes no geral.
 
A repetição do mistério do folhetim anterior, “quem matou Odete Roitman?”, torna-se um protocolo, que até oferece um leque de possibilidades, mas não tem importância para a conclusão da sátira. Tanto é assim que Vale Tudo se permite terminar com reviravoltas com os vilões, mas que funciona como epílogos de parte dos núcleos que foram deslocados — incluindo um reencontro debochado de Fátima e César (Cauã Reymond). As festanças que celebram, entre outras coisas, as empresas Paladar e Tomorrow são um complemento da cena em que Ivan (Renato Góes) e seu pai (Luís Melo) conversam sobre o lado bom e honesto do Brasil que precisa ser mais divulgado. A megaempresa TCA se redime da sua corrupção.
 
Se Vale Tudo terminasse com o casamento de Fátima e Afonso (Humberto Carrão) — tendo a Solange (Alice Wegmann) dando o tapa e pegando os docinhos, que seja —, o folhetim histórico seria ousado. Com a liberdade de tornozeleiras eletrônicas de Marco Aurélio (Alexandre Nero) e Leila (Caroline Dieckmmann), o golpismo é separado como o desvio, principalmente a “fantasma” Odete (Débora Bloch). No fim das contas, Raquel torna-se o centro da novela que ela girou em torno numa espiral crescente.
 
Em economia política, capital variável é a parte do capital destinada à folha de pagamento dos salários. Em Vale Tudo, uma característica é haver também uma lista de pagamento paralela, funcionando por chantagem. Nesse aspecto, ficamos conhecendo o dilema do filho sobrevivente e escondido da família Roitman. Irmão gêmeo da Heleninha (Paola Oliveira), que, por sua vez, funciona como entrada do tema do alcoolismo na trama da sátira edificante. Galerias e Copacabana Palace à parte, os núcleos da direção artística de Paulo Silvestrini também retratam aquele bairro proletário que não pode faltar. O ponto de encontro no local é o bar do Vasco (Thiago Martins). Estabelecimento em que até Freitas (Luis Lobianco) tem a oportunidade de se destacar, para além de ser o capacho que mais ilustra a subserviência decorrente das rendas e das funções.   
 
= = =
= = =

Nenhum comentário:

Postar um comentário