= = =
sábado, 4 de outubro de 2025
Banco dos réus
= = =
Alternativa concreta
Um filme, por sua vez, também é feito de escolhas. E Amores Possíveis escolhe encerrar sua tripla história com o mundo do Carlos solteiro, pois é ali, onde menos se esperaria, que tudo toma o rumo mais clichê com Júlia, confirmando a tendência do destino amoroso traçado de antemão. Também confirma que é uma dramédia mágica quando a tela do cinema e a realidade se fundem. A fotografia carregada de Walter Carvalho parece mais adequada a este universo superficial, sem contradições profundas. Por outro lado, a existência de outros futuros após uma ida frustrada ao cinema, indicou também que as sequências podem se apresentar de formas diferentes, mesmo mantendo um grupo de pessoas num determinado círculo de proximidade.
= = =
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
Brinquedo realista
= = =
- Tortura realista
- Privatização realista
- Anarquia realista
- Tela antidialética
- Substituição realista
- Prioridade ôntica
- Programa realista
quarta-feira, 1 de outubro de 2025
Ética idealista
USA/UK, 2024)
de Ridley Scott.
por Paulo Ayres
Gráfico de radar
Ironicamente, Los Rechazados se passa num velho submarino, chamado de 1844, comprado da Rússia capitalista pelo governo dominicano. A negociação com os russos, embora com direito aos gorros soviéticos, é para servir Washington numa operação em direção à China, a nova superpotência. Escalados e submergindo estão oito párias do país caribenho.
A missão secreta é comandada pelo veterano da Segunda Guerra, Capitão [Espaillat] (Salvador Perez Martinez), tendo o Suboficial Bermúdez (Fausto Mata) como seu braço direito para liderar as atividades dos recrutas dentro do submarino. A comédia política de [Yasser Michelén] tem um ponto de virada na mudança de rota e de roupa do capitão. Um vermelho destoante emerge entre uniformes azuis no confinamento marítimo. Não era exatamente o caso de um agente duplo, mas de redirecionamento estimulado por indícios de demência. No nível ficcional de Los Rechazados, o giro acentua a caduquice das coordenadas bélicas entre as nações.
Lista de historical comedy no subgênero political fiction:
segunda-feira, 29 de setembro de 2025
Galeria realista
É o início da tragédia audiovisual, Unicornios estabelece o fracasso de um relacionamento quando o descontentamento com o poliamor é posto como motivo de ruptura. A partir daí, a protagonista Isa (Greta Fernández) reina sozinha no enredo. Ou melhor, torna-se uma gravitação provisória e errante, em certo aspecto. Os dilemas da geração “alguma coisa” parecem ser o combustível do desenvolvimento do filme. Ela não é exatamente uma influenciadora. Pelo menos, não uma com a possibilidade de viver apenas disso. No entanto, o drama de [Àlex Lora] utiliza o tema contemporâneo até quando a imagem assume a verticalidade do telefone celular em vídeos curtos. É Isa observando e interagindo com seu ambiente. Nessa perspectiva, Unicornios desenvolve uma rebeldia que se perde em individualismo. Diferente do que a sinopse sugere, Isa experimenta e tropeça, mas isso não é devido a ela ser bissexual, feminista e poliamorosa.
domingo, 28 de setembro de 2025
Reino da necessidade
Os primeiros 15 minutos desse Cinderelo Trapalhão impressionam: a quase ausência de diálogos, as longas sequências de acrobacia, o jogo de expressões faciais, são uma das passagens mais marcadamente circenses do cinema brasileiro. Um narrador com ares de intertexto narrativo é a única referência direta de trama, intercalado as esquetes de perseguição e a primeira de uma série de cenas memoráveis: um show de touradas, onde Cinderelo (Didi) “fila” um lanche dos outros espectadores. A liberdade do improviso e da expressividade mímica de Didi ganham nessa cena um pequeno momento de eternidade.
Diretamente baseado no conto de fadas, o filme conta a história de um vagabundo que vive junto com três nobres cavaleiros (Dedé, Mussum e Zacarias), mas que descobre coragem ao ajudar uma família de fazendeiros ameaçados por um poderoso coronel. Longe da alegoria, o filme é uma fábula assumida, que brinca com seu aspecto fantasioso ao criticar o poder feudal dos grandes fazendeiros.
A narração nos lembra que se trata de um reino distante, “longe daqui”, uma forma jocosa de driblar os olhares da censura, mas também uma maneira de tratar da ganância por poder, sem perder a doçura, marca de seus protagonistas. Ainda que heróis, os Trapalhões aqui não são exemplos de bondade, não representam ídolos: são malandros, palhaços, por vezes covardes e sensatos, por vezes estúpidos.
Cinderelo é a síntese de um heroísmo que não se calca numa consciência julgadora mas num gesto de afetividade — que quase não percebe o perigo que corre, que não vê os limites do bom senso. Assim, funcionando entre a esperteza de pequenos truques e as trapalhadas que quase colocam tudo a perder, Cinderelo não tem utopias nem medo, age como que por prazer, brinca, debocha de si mesmo. Se compara à Cinderela original, brinca ter uma fada madrinha... mas não tem nada além de Gumercindo, um bode.
Dedé é o cavaleiro orgulhoso de seu suposto heroísmo — vive em troca de favores e de sua valentia, acompanhado por Mussum e Zacarias — é figura do herói estandardizado, que treme ao pensar um enfrentamento com o coronel mas aceita lutar em troca de terras, como um justiceiro de western.
Os esquetes do treinamento de Cinderelo junto aos capangas do coronel são pequenos espetáculos de mímica, atrações de acrobacia que parecem se descolar da narrativa e se entregar unicamente ao humor concreto dos picadeiros — familiar também ao diretor Adriano Stuart. São cenas em que, como na sequência em que Didi finge ajudar os capangas a destruir a casa dos pequenos fazendeiros, o humor do improviso, das gags, ganha ainda mais espaço.
Perfeita, aliás, é essa sequência ao conseguir trabalhar dois tons de paródia numa mesma imagem: os capangas do coronel nos remetem aos índios/mal-feitores da estrutura do western, e Didi, por dentro da cena, brinca com seus gritos e seus gestos de maldade, fingindo participar do quebra-quebra. Outra pérola.
O pastelão assumido da trilha sonora, da cena do casamento (inclusive com a presença das tortas na cara) ou do pé gigantesco que Cinderelo finge ter para evitar colocar a bota que o incriminaria, fazem de Cinderelo Trapalhão um dos melhores momentos do quarteto — conjugando o improviso dos gestos e falas à precisão de suas acrobacias. A brincadeira livre ao encaminhamento narrativo. Didi encarna perfeitamente o herói dúbio: impetuoso e tímido, habilidoso e atrapalhado, contido e incontrolável (como quando, num pequeno surto de raiva, começa a destroçar o carro do coronel ou derrama todo o sonífero no ponche da festa).
O final feliz conquistado é coroado com a antológica imagem do petróleo jorrando do pequeno terreno (quase uma quitinete) que cabe como recompensa a Cinderelo e a seu bode. Essa dádiva mágica inevitável (que vem justamente àquele que mais fez e menos pediu em troca) marca o tom desse pequeno conto moral sobre a humildade e o heroísmo. Sem fada madrinha, sem pedidos ou vara de condão, mas ainda um conto de fadas.
= = =











