sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Ente querido

 Nhà Gia Tiên

(comédia,
VIE, 2025)
de [ ].

por Paulo Ayres 

O retorno da ovelha negra à casa dos pais e a volta dos que não foram. É sobre isso que Nhà Gia Tiên discorre numa série de contatos parentais. Relações são descortinadas como cascas de cebola e a comédia sobrenatural chega ao ponto em que o fantasma camarada se transforma num demônio — um conjunto de cenas exaustivas em que a pieguice almeja o clímax. Todavia, é nessa reta final que as revelações indicam contradições profundas no seio familiar que, antes, foi venerado como parte da cultura local do Vietnã.

A contraditoriedade do estágio de transição refletido numa família nuclear. Briga por herança numa sociedade socialista. Costumes patriarcais coexistindo com tendências progressistas. Ainda que seja mal-assombrada, a casa é um objeto bem concreto em Nhà Gia Tiên. Abrigo afetivo e, também, ramificações familiares com interesses próprios e ressentimentos.

Na presença da protagonista feminina — termo dito num comentário metalinguístico —, o filme traz o tema geral das picuinhas entre a parentada comentando os rumos da vida de cada um. Mỹ Tiên (Phương Mỹ Chi) é uma jovem influenciadora digital que retorna com um amigo escudeiro. Logo sabemos que ela carrega um sentimento de culpa pela morte do irmão mais velho, Gia Minh (Huỳnh Lập), que caiu da escada quando ela era bem pequena. Esse cozinheiro é a entidade sobrenatural e o ente querido que se comunica com ela.

Evitando as tentativas de venda do imóvel, Mỹ Tiên aconselha Gia Minh a ser um fantasma ao estilo audiovisual de Sadako e Samara da franquia Ringu (1991–). São momentos em que há uma alternância não só de efeitos visuais como também de intercâmbio cultural. O fantasma, às vezes deslizante, às vezes maquiado, tem um quê de altar ancestral da tradição local. Quando segue a cartilha do horror fantasmagórico se traveste com a iconografia disseminada mundialmente na cultura pop. Por outro lado, quando Nhà Gia Tiên apresenta um xamã como um exorcista — ou um tipo de caça-fantasmas —, a versão regional da religiosidade se faz presente.

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Lista de fantasy comedy no subgênero supernatural fiction: = = =

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Regras de etiqueta

Caindo na Real

(farsa,
BRA, 2024)
de [ ].



por Paulo Ayres

Quando aparece a bandeira do Brasil imperial, Caindo na Real revela qual é seu principal objeto satírico no texto direto. Ou melhor, o objeto é o significado dessa bandeira hoje entre os saudosistas que se organizam politicamente. No ritmo acelerado da farsa, o golpe aristocrático já ocorre no começo da trama e a procura pela descendente de Dom Pedro II leva o governo até Tina (Evelyn Castro). O dilema do novo período monárquico brasileiro toma a forma de uma sátira sobre regras de etiqueta para uma chapeira do Rio de Janeiro. Do podrão ao trono.
 
Como articulador maquiavélico, Alaor Ribeiro (Maurício Manfrini) é o homem do Partido Monarquista que conduz essa transformação política como fachada de culto de personalidade. Por trás do espetáculo da burguesia de sangue azul, o sistema continua em suas linhas essenciais. Trabalhadora culinária, Tina se preocupa com os indicadores sociais que apontam fome e má nutrição no país. O filme estabelece a maioria das piadas sobre rituais da nobreza como estranhamento aos olhos modernos. É compreensível que as concepções políticas gerem divergências entre si, mas a defesa de realezas é difícil de entender. Ou, talvez, não é algo tão estranho no contexto do capitalismo tardio.

Na corte da rainha do Brasil há algumas participações especiais, como o mordomo feito por Carlos Moreno — marcado como garoto propaganda da Bombril — e a repórter feita por Cissa Guimarães. Além disso, há a presença do cantor Belo como Barão, o par amoroso da protagonista. Contudo, ainda que haja canções originais, inclusive pagode, o romance que chama mais a atenção é o que é conduzido por Maria Clara Gueiros. São códigos de sátira edificante: o casal principal recebe os holofotes padronizados, enquanto alguns coadjuvantes podem ser modelados e remodelados de forma mais inesperada.
 
Caindo na Real é sobre regras de etiqueta e ética política. Isso permite uma reflexão sobre esses complexos sociais. Se a etiqueta é a pequena ética, essa ética é uma grande etiqueta. Os códigos de ética, em sentido amplo, são éticas idealistas: ética política, ética religiosa, ética profissional, ética empresarial etc. São mediações necessárias nessa forma de sociabilidade, mas possuem certa insuficiência e descompasso. 
 
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Construção civil

The Brutalist

(tragédia,
USA/HUN/UK, 2024)
de [ ].
 
 

por Paulo Ayres

As mais de três horas de The Brutalist são realmente necessárias? Para a proposta de expressar a imponência arquitetônica para a forma estrutural faz bastante sentido, começando com os alicerces da construção até o epílogo de reconhecimento tardio. As legendas estilizadas são como a arquitetura incomum para o Ocidente. O topo, ou cobertura, no entanto, afirma uma linha sentimental que contrasta fortemente com certas retas concretas criadas antes. Trocando em miúdos, a forma narrativa e os adereços visuais criam uma diferença antidialética com o conteúdo de superações individuais cheias de carga emotiva.
 
No desenho de desenvolvimento ficcional, após uma confusão que sinaliza os conflitos do desfecho da Segunda Guerra Mundial, László Tóth (Adrien Brody), o migrante húngaro, chega a América (do Norte) e contempla a Estátua da Liberdade. Contudo, a tragédia audiovisual não percorre o caminho surrado do drama feel-good no país das oportunidades. The Brutalist é uma construção longa e detalhada que faz questão de sinalizar que, ao lado de luxo, pioneirismo e maravilhas, também há a fila da miséria na maior potência geopolítica. Na primeira parte, em 1947, o arquiteto protagonista mete a mão na massa do trabalho material. Participa da execução na técnica (e arte) que transforma a matéria natural. Um pedreiro que, com o passar dos anos, torna-se uma espécie de artista marginal paparicado por gente rica. A arquitetura brutalista, que se popularizou como corriqueira em lugares do bloco socialista, é um monumento exótico para a degustação de grã-finos e intelectuais na sociedade capitalista.
 
Na parte seguinte, László assume a função coordenadora, comandando os operários. Além disso, recebe sua esposa Erzsébet Tóth (Felicity Jones), que chega na cadeira de rodas e com a sobrinha órfã, Zsófia (Raffey Cassidy). László é um mediador subordinado a Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce). O industrial, que financia um projeto, é a cabeça do núcleo familiar que assedia, em certos sentidos, a família do arquiteto. O assunto do antissemitismo pós-Holocausto emerge em momentos específicos, mas The Brutalist não faz disso um discurso recorrente. É como se fosse uma sombra nos grandes traços retos que se erguem de maneira imponente. Até os traços da fisionomia de “galã feio” de Brody são comentados no enredo. O drama edificante, até certo ponto, é um conjunto de linhas que já diz em imagens muito do que o desenvolvimento reforça nas passagens de tempo. É por isso que o epílogo familista surge como uma virada “bruta” do roteiro. The Brutalist não se contenta com Erzsébet indo interromper a refeição formal dos Van Buren — mesmo arrastada depois, o caminhar da mulher ilustra um triunfo. Para reforçar a volta por cima da família judia, o final é um puxadinho barroco construído no topo do prédio.

Independente desse acréscimo decisivo, em The Brutalist a complexidade das relações sociais tem mais tempo de tela que os rearranjos morais do enredo. Há um eco exterior sobre a criação do estado colonial de Israel, mas de maneira discreta e em narração em off. Não entrar de forma partidária, com nitidez, nesses “telegramas” geopolíticos contribui para o filme ter como foco a nova vida dos migrantes. Deste modo, a Contrarrevolução Húngara de 1956 nem é assunto breve para sabermos se László concluiu que tal evento histórico é um episódio revolucionário ou não. Uma construção pode ter uma aparência no exterior e outra no interior.
 
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domingo, 27 de julho de 2025

Frio niilista

The Thing 
 
(folhetim,
USA, 1982)
de John Carpenter.
 


por Paulo Ayres
 
Para entender as limitações de The Thing é preciso fazer um número de cotejamentos para ir decifrando suas determinações. De início, é possível colocar o filme americano ao lado de outro conterrâneo. O ano era 1982. Enquanto John Carpenter lançava The Thing, Steven Spielberg agitava os cinemas com o antológico E.T.. São duas ficções espaciais com propostas bem diferentes. O filme de Carpenter está longe do alienígena de coração puro. Bem distante. Até geograficamente. Numa brancura de neve sem fim, o enredo se passa numa daquelas bases afastadas da civilização. No caso, uma instalação de pesquisa dos Estados Unidos na Antártida. A próxima comparação pode ser feita dentro da filmografia de Carpenter. Só para citar outros folhetins do cineasta estrelados por Kurt Russell: The Thing possui uma essência diversa de Big Trouble in Little China (1986), uma sátira edificante, e de Escape from L.A. (1996), uma sátira realista.
 
Parte de uma trilogia niilista de Carpenter, The Thing é arte degradante porque se fecha em determinismo estético. Ou seja, a ausência de final feliz é o que compromete  a totalidade da obra para, ao menos, emergir como arte edificante. No final enigmático, restam MacReady (Russell) e Childs (Keith David), únicos sobreviventes da contagem de corpos, se observando num frio desolador e cheios de desconfiança, pois um dos dois pode ser hospedeiro do parasita extraterrestre. Entretanto, esse desfecho não surge do nada. Ele continua a lógica e o tom de autodestruição que se desenvolve como intenção narrativa. Se essa ficção científica é um espetáculo focado nos efeitos visuais e na maquiagem, isso não significa que esse foco precisava consumir a projeção como um rastilho de pólvora.
 
Os bonecos congelados e animatrônicos possuem uma artificialidade satírica. O sangue, em algumas cenas, parece tinta vermelha. Essas coisas não são defeitos. Pelo contrário, expressam adequadamente o contexto folhetinesco da encenação. O tom solene, em meio a essas características, realça um humor audiovisual ecoando junto ao suspense.
 
A paranoia se torna o tema principal no sentido de que qualquer um ali no grupo pode estar infectado. Com relação a outras obras sobre invasores de corpos, The Thing tem como ponto chamativo a combinação de fogo e neve, pois as criaturas são enfrentadas com lança-chamas. Além disso, quando alguns cadáveres são congelados, e se petrificam numa aparência de fusão e derretimento, lembram os relógios derretidos (1931) de Salvador Dalí. Concepção criada pela equipe de efeitos de Rob Bottin.
 
Embora não seja uma ficção fantasiosa como In the Mouth of Madness (1995), The Thing é, também, um pesadelo permanente. Curiosamente, é no mesmo gênero de folhetim espacial que Carpenter realizaria uma obra-prima, They Live (1988), na década de oitenta do século passado.
 
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sábado, 26 de julho de 2025

Negócio fechado

 Materialists
 
(dramédia,
USA, 2025)
de [ ].
 

por Paulo Ayres

Pensado como uma crítica romântica à coisificação contemporânea das relações afetivo-sexuais, Materialists é uma boa dramédia de costumes porque permite ver algumas oscilações na vida cotidiana. O namoro e o matrimônio como negócios escancarados, embora com certa suavização na lábia mercadológica. Como diz Lucy (Dakota Johnson), um serviço como o seguro de vida e a funerária. A mulher representa a eficiência e a produtividade nessa empresa em que trabalha e que cria um tipo de cardápio, selecionando o que supostamente combina em gostos de clientes. É claro que tudo se direciona daquela forma previsível em que o processo de uma cliente faz a protagonista ter uma crise de consciência e se indagar até que ponto essa mercantilização afetiva funciona como uma mediação humanista. O drama edificante termina com a reconciliação de Lucy com seu ex-namorado John (Chris Evans), um trabalhador pobre. No percurso até aí, Materialists reflete certas contradições de maneira oportuna.

Numa primeira camada, mais pontual, questões superficiais no sentido de fisionomia e anatomia aparecem em alguns comentários e subtramas: etarismo, racismo, gordofobia, “baixofobia”... Esse último aspecto ganha relevo na presença de Harry (Pedro Pascal), um capitalista financeiro que é o tipo ideal nos perfis elaborados na empresa de Lucy. Os dois têm um namoro breve que o filme apresenta como um desvio de percurso, realçando a elegância amorosa e morna. Por outro lado, essa sedução do tipo ideal possibilita que a dramédia indique variações na moralidade que existem de fato.

No campo afetivo-sexual, há na sociedade uma imbricação unilateral entre a moral materialista (anarquia relacional e poliamor) e a moral idealista (amor romântico e acordo monogâmico). A contradição ironizada em Materialists é outra: a moral materialista de consumidor servindo de suporte para se erguer uma dimensão de moral idealista. Um negócio como o da empresa Adore, apresenta-se, prioritariamente, como a oferta desse último tipo de relações sociais. Com isso, a coisificação típica do capitalismo tardio se explicita como pretensão e insuficiência. Curiosamente, o elogio da moral idealista leva o filme a uma digressão de história idealista: um casal cavernícola apaixonado é como Lucy imagina o momento em que a humanidade estabeleceu as bases afetivas que se desenvolveriam com o tempo.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Física moderna

 Oppenheimer
 
(tríler,
USA/UK, 2023)
de Christopher Nolan.
 

por Paulo Ayres

Como criar interesse narrativo e as ilustrações audiovisuais para um história de cálculos em papel e na lousa e um julgamento político não aberto ao público? A feitura de Oppenheimer indica que um trabalho tão cheio de informações, além de recriar a primeira explosão atômica feita pela humanidade, procura transmitir essa grandeza e o perigo histórico que tal criação desencadeia. A montagem rápida, vários planos curtos e vários closes no Dr. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), indicam que a edição posturada e nervosa, ao mesmo tempo, pretende que a subjetividade do (anti?) herói espirre na tela às vezes. Silêncio ensurdecedor, música grandiloquente, plateia comemorando com pisadas nos bancos de madeira, lembrança inesperada de uma cavalgada sexual, vômito de nojo moral e cancerígeno etc.

Esse conjunto “sinestésico”, de sensações oferecidas por Christopher Nolan e sua equipe, coloca-se na missão cinematográfica de refletir esteticamente três coisas: 1) a maravilha e o espanto da física moderna e sua aplicação prática quando as observações e as equações saem da teoria pura; 2) como foi a decisão polêmica nos Estados Unidos de praticamente riscar duas cidades japonesas do mapa; 3) como Oppenheimer busca se redimir na medida do possível, enquanto o governo americano, numa fase mais ferrenha de anticomunismo, julga sua lealdade ao país.

No segmento em temporalidade mais avançada, o que está em preto e branco, e tendo o “protagonismo coadjuvante” de Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, uma linha de perseguição pessoal se insinua. É como se uma vingança por meio de canais burocráticos desviasse, em parte, o assunto para uma bolha que não é predominante na representação da nação. Mesmo assim, o political thriller de Nolan alcança uma grande dose de complexidade, no vaivém de tempos, ao inserir as contradições do cientista. O próprio personagem, Oppenheimer, demonstra alguma noção autocrítica em ser leal e subversivo. Há no enredo o questionamento da versão de dar uma aura de sacrifício redentor para os dois lançamentos de armas nucleares. No entanto, o sacrifício redentor do prestígio do físico, em ação reparadora, é mantido na corda bamba da reverência ficcional, predominante, mesmo com algumas indicações de incoerência e de vaidade. No texto direto, comenta como esse movimento, de maneira retardatária em relação as consequências do Projeto Manhattan, soa por vezes como tentativa de martírio (político). Porém, essa autoconsciência em Oppenheimer, não anula que o processo retratado é essencialmente esse mesmo. O olhar arregalado da consciência e da busca por regulações. Nesse sentido, as conversas com Albert Einstein (Tom Conti) emergem como gênios deslocados, assistindo a corrida armamentista de russos e estadunidenses.

A construção da cidadezinha de planejamento e teste, Los Alamos, ocupa um papel central no desenvolvimento do drama edificante. Até certo ponto, aquele espaço equilibra bem o clima de vanguarda científica e de trabalho material expandindo a força humana, com o aspecto soturno do contexto histórico de disputas geopolíticas. O que se pode notar de ressonâncias de desequilíbrio narrativo são ondas em localizações temporais e espaciais em torno desse núcleo: o posto de personalidade de influência política que Oppenheimer conquistou e seu embate posterior para sustentar essa credibilidade. Entre as amizades com pessoas da esquerda radical, destaca-se o envolvimento com duas mulheres que foram do Partido Comunista,  Kitty (Emily Blunt) e Jean Tatlock (Florence Pugh). No campo do marketing, Oppenheimer, o filme, teve sua distribuição envolvida com outra mulher, a de Barbie (2023 ou 4?). “Barbenheimer”, uma fusão mais memista do que mercadológica. 

domingo, 20 de julho de 2025

Trilha sonora

 Evidências do Amor 

(comédia,
BRA, 2025)
de [ ].


por Paulo Ayres

Filme que tematiza a playlist voluntária e involuntária que se forma no pensamento das pessoas, fazendo retrospectivas internas, Evidências do Amor oferece essa reflexão sobre trilhas sonoras subjetivas. Nesse sentido consegue uma oportunidade criativa para inserir “Evidências”. Usa uma canção que se tornou, popularmente, um tipo de patrimônio brasileiro, consolidada para além do período de lançamento por Chitãozinho & Xororó. Trata-se, então, de ver a comédia mágica como um produto que ilumina o posto alcançado por outro produto no Brasil. Além disso, traz a questão de como a recepção artística se molda de forma distinta nos indivíduos sociais.
 
Mesmo sendo uma sátira edificante de amor e, portanto, uma obra que anda na trilha segura de entretenimento padronizado, Evidências do Amor, parte de um ponto de fracasso. Depois de três anos juntos, Marco Antônio (Fábio Porchat) e Laura (Sandy Leah) se separam. Sempre que ouve a canção composta por José Augusto, Marco faz um retorno temporal em um ponto específico de sua trajetória de vida. Nessas rápidas viagens, ele é um tipo de espírito invisível, que, como descobre depois, pode até assumir o controle corporal e mudar o comportamento, mas sem alterar seu tempo presente. Em resumo, as voltas são uma metáfora para a investigação psicológica, aonde Marco vê momentos conflituosos. Percebe que o término do relacionamento não foi sem explicação ou do nada, mas um acúmulo cotidiano de pequenos atritos. No desenvolvimento narrativo, informa-se o protagonista, e o espectador, que Laura sofre da mesma ocorrência, porém, sua memória seletiva só traz os bons momentos. É a expansão da perspectiva de ambos. Terapia de casal.
 
Evidências do Amor consegue manter o interesse nessa tecla de uma nota só, pois parte do dado culturalmente reconhecível de “Evidências” sendo ouvida em algum lugar. Fazendo disso uma estrutura irônica, em cada queda de lado nos retornos da ficção fantasiosa, cria uma ilustração de outra tendência cultural nos tempos de internet: ouvir a mesma canção mais de cinquenta vezes, até enjoar. O filme são constantes giros, até a reconciliação. Movimento que, de certa forma, vale até para a amiga de Marco, Júlia (Evelyn Castro), que, antes, era apenas uma auxiliar debochada do experimento.
 
Curiosamente, “Cheia de Manias”, do Raça Negra, surge como outro exemplo de consolidação pop na cultura nacional e, com isso, expande perspectivas após algumas cenas piegas coexistentes. Nas entrelinhas, sugere também que outros conflitos virão na vida cotidiana, podendo ser superados, mais ou menos, pelo molejo dialético do casal. 
  
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