por Paulo Ayres
Há inúmeros subgêneros temáticos transversais no cinema, como filme de guerra, filme de amor, filme de estrada, filme de adolescente, filme de luta, filme de faroeste, filme de Natal etc. Entre esse tipo de linha ficcional, o filme de praia também ergueu sua iconografia, parte de uma respectiva ficção mais ampla com o tema, e esta, por sua vez, reflete uma subcultura própria que o litoral evoca com, mais ou menos, intensidade. Old, contudo, não é um filme de praia habitual. No mais das vezes, vemos uma ficção histórica se concentrando na região praieira. Além de ser uma ficção científica, Old é mais uma peça da galeria de M. Night Shyamalan.
Como era de se esperar, Shyamalan filma essa praia de maneira encantadora, por mais que a situação estranhíssima faça do local um palco angustiante marcado pelas ondas que vem e vão. Cada enquadramento bem pensado contribui no desenvolvimento da imersão no enredo. Geograficamente limitado, preso entre os rochedos e o mar, Old é uma amostra do controle narrativo do diretor indiano-americano. Até porque, há muitos cineastas formados em escolas publicitárias exibindo criatividade visual. Shyamalan une seu gosto pelos quadros bem trabalhados com a paciência dramática necessária para tornar próximos os variados temas especulativos. Um ângulo inusitado de dentro de um esqueleto humano revela a perplexidade de um grupo de pessoas presenciando o definhamento total. Em outra ocasião, é como se acompanhássemos os passos pela praia, indo de uma ponta à outra. Quando ocorrem, por exemplo, um coito, uma gravidez e um parto “instantâneos”, nem é preciso de uma câmera indiscreta para indicar o espanto diante das transformações corporais e relacionais.
O que acontece naquele praia isolada é um descompasso gigantesco entre a reprodução biótica e a reprodução social. Os organismos que são expostos ao espaço natural específico sofrem um metabolismo ultra-acelerado. Anos de idade orgânica se tornam horas. O tríler é um prato cheio pra refletir ontologicamente como o ser social conserva em si as esferas orgânica e inorgânica, não se reduzindo a elas, mas tendo-as como bases necessárias. Ocorre em Old um desenvolvimento desigual e não combinado: os turistas são cobaias de um experimento científico de empresa farmacêutica. Entretanto, por mais que o envelhecimento veloz seja o ponto de pavor na trama, é apenas o aceleramento de um processo natural.
Trocamos de cabelos, cortamos as unhas, renovamos células... Num processo contínuo, somos e não somos os mesmos. É como se Heráclito estivesse em Old, olhando com uma luneta a dialética das ondas na praia, assim como o próprio Shyamalan, que interpreta um guia do resort da empresa Warren & Warren. Cada um ali é e não é o mesmo a se banhar nas águas. Nesse sentido, o tumor grande que é retirado de Prisca Cappa (Vicky Kriep) indica que certas desregulações das reproduções orgânicas ocorrem diariamente na sociedade. O câncer é um lembrete, por exemplo.
Numa perspectiva da natureza imensa e indiferente, as ondas constantes tendem a desmanchar os castelos de areia simbólicos — o roteiro é baseado na HQ Château de Sable (2011). Ironicamente, Shyamalan não perde de vista Trent Cappa e Maddox Cappa, como ocorre na diegese. O par de irmãos representa a luz no fim do túnel aquático. Antes da escapatória humanista no drama edificante, há até uma espécie de ritual de despedida e de comemoração dos laços familiares, junto da mãe meia surda e do pai Guy Cappa (Gael García Bernal), meio cego. Quanto às outras personagens na praia, elas desencadeiam certas paranoias e atritos, mas são, no fundo, carne para a tática narrativa da contagem de cadáveres.
Desenvolvimento estético desigual e combinado: assim como The Happening (2008), Old é um eco-thriller que edifica um porto seguro numa determinada célula social. Por outro lado, Shyamalan cria uma piada visual monstruosa com Chrystal (Abbey Lee), ironizando a preocupação cosmética com as marcas da idade e também a “cosmética” de filme de susto. O drama se engrandeceria se, entre outras coisas, ela fosse a esposa/mãe em foco.
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